segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O Velho Makários de Kapsala, o Hesicasta Bêbado


por Athanasios Rakovalis

Nem todos os monges são iguais, nem são todos os atletas, médicos ou qualquer outra atividade. Alguns progridem e se tornam referências, enquanto outros são medíocres, alguns alcançam a excelência, enquanto outros fracassam em seu propósito. Entretanto, todos têm seu lugar na vida, e o critério de Deus para eles pode ser diferente do nosso... muito diferente.

Aos olhos de Deus, o pobre Lázaro, que viveu como mendigo, foi bem sucedido, e não o tolo homem rico, com sua fortuna e "sucesso" mundano. Aos olhos de Deus, o publicano pecador foi bem sucedido, ele que estava arrasado por seus pecados e que não ousava levantar os olhos aos céus, mas simplesmente implorava humildemente a Deus: "Deus, tem piedade de mim, um pecador". Aos olhos de Deus, o fariseu era o fracassado, embora religioso e preservando os mandamentos de Deus, pois sua alma estava inchada de orgulho e ele se considerava superior ao Publicano. Deus abominava o Fariseu.  Devemos ter cuidado. Não julguemos o que vemos. Pois o que acontece nas profundezas do coração humano é invisível. Portanto, "ergamo-nos, ergamo-nos com temor". 


Eu soube da existência do ancião Makários ao ouvi-lo. Uma noite eu o ouvi berrando.

"Quem está berrando?", perguntei ao hesicasta que estava me hospedando e me ensinando iconografia.

"Ah, esse é o velho Makários. Ele provavelmente está bêbado de novo e está cantando", ele me disse, enquanto continuava a cavar no jardim. Foi um pouco constrangedor. Eu me perguntei: Então existem monges que ficam bêbados? Eu não esperava por essa.

"Vá lá amanhã para ver se ele precisa de alguma coisa", ele me disse.

"Sim, ancião", eu respondi, pois ficaria contente em encontrar um... eremita tão peculiar.

"Leve alguma comida e pão para ele também".

No dia seguinte, cedo de manhã, me informei do caminho, enchi minha bolsa e parti. Acabei vagando e tendo que me esforçar, pois a trilha estava quase fechada por tantos galhos. Então eu cheguei na sua cela. Era uma cela bonita, como uma pintura, escondida entre as árvores e flores selvagens. Precisava de manutenção, mas ainda estava de pé. Do lado de fora da porta, entre duas pedras, estava uma panela bem preta e vazia.

"Ele cozinha aqui fora?" me perguntei. Eu chamei-o uma, duaz vezes, mas o velho Malários não respondia.

"Talvez ele estivesse com medo? Talvez ele pensasse que eu era algum tipo de ladrão?"...

Me posicionei em um ponto onde ele pudesse me ver. Em tal isolamento, sempre há malandros dispostos a bater em um velho para fazê-lo dizer onde esconde o dinheiro. Como é grande a loucura e a maldade humanas!

De repente a porta se abriu e um homem velho apareceu que mancava de um pé, envolto em uma pequena batina de estilo descente.

Eu pensei: Seria esse um sacrifício pequeno, morar num lugar assim? Um homem de oitenta anos, indefeso, na floresta, isolado? Nessa cela tão pequenina? Se pensasse em mim, que sacrifícios eu realizara por Cristo?

Não desdenhei o velho Malarios, de forma alguma. Simpatizei com ele e o admirei.

Lentamente ele confiou em mim e abriu-me a porta. "O que o senhor gostaria que eu fizesse pelo senhor, ancião? Há algum trabalho que o senhor gostaria que eu fizesse?" Perguntei uma vez e de novo. Ele recusou educadamente, porque não queria me incomodar.

Sem jeito pelas minhas perguntas, ele me disse:

"Você quer fazer um pouco de vinho?

"Eu não sei como, Ancião."

"Eu sei. Eu te digo como".

"Onde vamos encontrar uvas?"

"Eu te digo onde."

"Tudo bem".

Antigamente, quando o povo morava nessa área, existiam vinhas, que embora tenham ficado muitos anos sem cuidados, continuaram a produzir uvas. O velho Makarios me disse para encontrá-las.

Enchi a mochila três vezes e as coloquei em um barril retangular de madeira. Então, com um galho que acabara de cortar bati nelas com força, deixando-as na popla. Por fim, fizemos o vinho.

O velho Makários ficou muito feliz e eu também. Parecia que o vinho era sua consolação. Ele não queria ir para um mosteiro onde eles o forçariam a viver como num asilo, embora isso tenha sido sugerido a ele muitas vezes.

Ele não queria deixar o local onde havia passado a maior parte de sua vida, o "local de meu arrependimento", como ele o chamava. Seu vício era evidente e o humilhava. Um monge que se embebedava! Um hesicasta, um heremita, que bebia e ainda por cima ficava bêbado! Impensável!

Mas suas virtudes eram ocultas e só poderiam ser vistas por aqueles que o contemplassem com ternura.

Como o Padre Makários passava os seus dias quando não estava bêbado? Temos conhecimento dos seus feitos ascéticos? Talvez ele derramasse lágrimas de arrependimento como o Publicano?

Certamente ele não queria abandonar sua plataforma espiritual, sua arena de hesicasmo. Não é necessária coragem para permanecer sozinho, na reclusão da floresta? Não é necessária paciência nas dificuldades, privação de bens, no isolamento pela neve?

Não tinha esse homem auto-negação ao voluntariamente distanciar-se da assistência médica ou consolação humana que teria no asilo do mosteiro?

São essas coisas pequenas? Ele não permaneceu toda a sua vida aos pés de Cristo? Não passara ele toda sua vida na Igreja?

Não estou dizendo que ele era excelente em tudo, mas ele morreu como um atleta lutando pelo primeiro lugar. E daí que ele se embebedava? E daí que ele caía? Quem nunca cai? Quem conhece sua vida oculta? Quem sabe como Deus irá julgá-lo no fim das contas?

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Império ou República Bizantina?

Constantinopla - Idade Média


Análise do livro: The Byzantine Republic: People and Power in New Rome, Anthony Kaldellis

por BRIAN PATRICK MITCHELL

Os livros-textos dizem que o Império Bizantino era uma autocracia teocrática unindo a igreja e o estado sob um imperador todo-poderoso que os bizantinos acreditavam ser o vice-rei e vigário de Deus. Tudo besteira, diz Anthony Kaldellis, professor de antiguidade clássica na Universidade Estadual de Ohio. O Império Bizantino era uma continuação do Império Romano e mesmo da República Romana. Sua ideologia política era fundamentalmente secular e ancorada na antiga crença republicana romana de que o governo existe para servir ao bem comum. Seu povo não mais tinha um papel na eleição dos líderes e legisladores, mas frequentemente tinham um papel extra-legal em elevar e destruir imperadores, cuja legitimidade dependia da popularidade e não de uma alegação de direito divino ou correção constitucional. Os imperadores governavam pragmaticamente e não fanaticamente, frequentemente decepcionando a Igreja para a agradar o povo. 

Isso é um ar fresco para os cristãos ortodoxos, que têm tido que aturar a acusação da teocracia bizantina por mais tempo do que os cristãos ocidentais tem aguentado as acusações de crusadas e inquisições. Mas "The Byzantine Republic" de Kaldellis também provê uma crítica útil do pensamento político ocidental moderno, assim como um portentoso, ainda que inadvertido, insight sobre o pensamento democrático de centro-esquerda e para onde ele vai nos levar. 

Seu livro é francamente um ataque revisionista no campo dos estudos bizantinos, o qual tem perpetuado antigos preconceitos ocidentais que contradizem registros históricos. Kaldellis mira principalmente nos acadêmicos da década de 30 e seus imitadores, mas as raízes do preconceito vão até muito antes, até a propaganda anti-ortodoxa da Idade Média. Os ortodoxos bizantinos recusam-se a reconhecer a supremacia do Papa de Roma sobre todas as coisas sagradas e seculares, e permitiam ao seu imperador muito mais autoridade sobre a Igreja do que os partidários do papado toleravam. Mais tarde, durante o Iluminismo, enquanto o Ocidente se transformava para excluir a religião da política, os bizantinos foram tomados como o principal exemplo de "cesaropapismo" por conta da equivocada crença de que o imperador bizantino governava tanto como rei e papa, sem separação da igreja e do estado. 

Na medida em que o pensamento ocidental evoluía, mais acusações foram lançadas contra o modelo bizantino. O império não possuía uma constituição por escrito, enumerando direitos, separações de poderes, processos democráticos, nem nenhum limite explícito à autoridade do imperador, que parecia governar por direito divino como um monarca absoluto. À essa altura, o império já não existia, então os ocidentais sem nenhum conhecimento de grego ou acesso a documentos relevantes não tinham como conferir a realidade histórica em face das alegações depreciativas de Edward Gibbon e outros, para os quais os bizantinos serviam como um conveniente ponto de partida para versão Whig da história: um pesadelo primevo de despotismo supersticioso do qual o mundo ocidental despertou e se libertou. 

Alguns acadêmicos do século 20, mais gentis, sugeriram modestas correções na narrativa convencional, negando acusações de cesaropapismo e celebrando a arte e a cultura bizantinas, mas nenhum foi tão longe quanto Kaldellis em asseverar a base secular da política bizantina ou em demonstrar a cegueira dos historiadores ocidentais que têm interpretado a política de acordo exclusivamente com as categorias de pensamento do Iluminismo. 

Ao ler, erroneamente, a história romana, os primeiros teóricos ocidentais modernos dividiram o governo em duas categorias básicas, monarquias e repúblicas, definindo a última como uma pólis auto-governada sem um monarca e categorizando as monarquias ora como absolutas, ora como constitucionais. Conforme explica Kaldellis, os antigos gregos e romanos viam as coisas de modo diferente. Suas duas categorias básicas eram reinos e comunidades. Um reino, na experiência deles, era a propriedade de um rei, governada por sua força para sua própria satisfação. Uma comunidade - res publica em latim, politeia em grego, era uma pólis independente, que podia ser governada de várias formas, para o bem de todos. Comunidades, portanto, podiam ser monarquias, aristocracias ou democracias. O próprio Cícero confirma isso, mesmo enquanto lamentava a diminuição do poder senatorial. 

A história padrão de que a república romana terminara com a ascensão de César Augusto a imperador estaria, portanto, simplesmente errada, diz Kaldellis. A república sobreviveu, em uma nova fase, no Principado no lugar do antigo Consulado. Os historiadores chamam a terceira fase da república de Dominato, período durante o qual imperadores militares, governando desde onde fosse necessário para fins militares, pela primeira vez na história romana foram chamados de Domine, ou "Senhor". A quarta, de longe a mais longa e última fase foi Bizâncio, durando do século 5 ao 15, durante a qual os imperadores governaram como civis desde a cidade oficialmente nomeada Nova Roma, mas comumente chamada de Constantinopla ("Cidade do Constantino") e fundada originalmente como Byzantion (Byzantium em latim). 

Durante todo esse milênio, o povo do império chamava a si mesmo de romanos. O termo "bizantino" é uma invenção ocidental moderna. E durante todo o tempo esses romanos identificavam seu império como uma res publica ou politeia, vangloriando-se que diferente de outros impérios, o deles era comprometido com o bem comum. Do início ao fim, os imperadores romanos "bizantinos" eram obrigados a justificar suas ações não com apelos ao direito divino ou lei divina, mas ao bem comum, e o árbitro máximo do bem comum era a politeia, a qual incluía todo mundo - a aristocracia, a burocracia, os exércitos, o clero e as várias classes de pessoas: mercadores, comerciantes, fazendeiros, etc. 

Qualquer um desses podia desafiar o direito de governo do imperador em termos de seu fracasso em servir ao bem comum. Assim, os imperadores bizantinos viviam com medo do povo e faziam todo o possível para mantê-lo feliz, mostrando-se como servidores públicos trabalhando incansavelmente pelo benefício do público. 

Por outro lado, o povo não tinha muito medo do imperador. Comumente eram irreverentes e desleais, abusando verbalmente do imperador em público, e até em sua presença, e desconsiderando leis de que não gostavam. "A história bizantina está cheia de casos de homens e mulheres que se recusavam a obedecer ordens do imperador, quase sempre por motivos religiosos", escreve Kaldellis. Com uma única exceção, revoltas populares tinham sucesso em forçar os imperadores a realizar concessões ou, resistindo, serem forçados à deposição. A única exceção nos mil anos do império foi a revolta de Nika de 532, quando Justiniano, o Grande, por insistência da Imperatriz Teodora, enviou soldados para eliminar a turba assassina reunida no Hipódromo para aclamar outro imperador. Os únicos casos anteriores de tal brutalidade ocorreram ainda no Dominato dos séculos 3 e 4. 

Um elemento mais difícil de ser analisado por ocidentais modernos é a relação entre a autoridade o imperador e as leis do império. Romanos de todas as idades orgulhavam-se de seu respeito pelas leis, o que estava fortemente relacionado com sua crença no bem comum, e uma das características da romanidade que eles acreditavam colocarem-nos acima das outras nações. Esperava-se também que seus imperadores também respeitassem as leis, e mesmo assim não havia lei que não pudessem mudar. Aos olhos ocidentais, isso fazia do imperador não só um autocrata cuja palavra era lei, mas um autocrata sem limites - um monarca absoluto. 

Essa perspectiva comum no ocidente baseia-se menos em Bizâncio do que no "Novo Absolutismo" do início do ocidente moderno, o qual desenvolveu-se a partir dos primeiros esforços dos príncipes ocidentais de teorizar suas alegações de "soberania" em face de reivindicações papais sobre a mesma. Com a Reforma Protestante, essas reinvindicações peculiarmente ocidentais de soberania tornaram-se mais urgentes e expansivas, gerando justificativas tanto católicas quanto protestantes para o "Direito Divino dos Reis", de acordo com o qual o rei, como soberano, não responde a ninguém a não ser a Deus. Para o católico francês Jacques-Benigne Bossuet, o rei personificava o estado: "Tout l´État est en la personne du prince", ele escreveu, ou como diria o Rei Sol, "L'État c´est moi." 

Contra esse Novo Absolutismo surgiram contra-argumentos sujeitando o rei a outros soberanos: a common law (direito comum) anglo-saxã, direitos naturais, constituições codificadas ou não codificadas, a vontade do povo. Contendas religiosas e políticas conduziram os ocidentais a pólos opostos do idealismo político, contrapondo ao idealismo monárquico do Direito Divino ao idealismo "republicano" anti-monárquico concebido sob várias formas. Os argumentos em favor deste último nos são mais conhecidos hoje em dia. Os Pais Fundadores dos EUA utilizaram todos desse último tipo, com quase nenhuma consideração por consistência e sem resolver de fato o problema teórico e prático da soberania limitada. Pois se o povo é soberano, o que nos protegerá do absolutismo democrático já que o povo decide que leis fazer, que direitos respeitar, e mesmo como ler a constituição? Quem dirá ao povo que ele está errado, e quem vai detê-lo quando ele não escuta? 

Os bizantinos nunca se importaram em fazer tais perguntas porque nunca precisaram. Para eles a preocupação central não era a fonte do governo - soberania - mas, diz Kaldellis, o propósito do governo. Portanto eles não absolutizavam o imperador. Eles sabiam que ele era um mero mortal e um pecador que respondia tanto a Deus e à politeia. Eles não acreditavam em Direito Divino. 

Eles acreditavam que Deus ordenava os governantes como "agente(s) da justiça para punir quem pratica o mal" (Romanos 13:4), mas também sabiam que Deus costumava desordenar governantes por seus próprios motivos. Como muitos povos eram tentados a acreditar em sangue real, mas isso não impedia que destronassem imperadores incompetentes "nascidos no púrpura". E se qualquer imperador bizantino tivesse dito, "o estado sou eu", todos os que tivessem ouvido o teriam por louco. 

Sem um ideal monárquico, os bizantinos nunca precisaram de um ideal anti-monárquico. Eles nunca absolutizaram os direitos naturais, ou a lei romana, ou mesmo o povo romano. Também eles, eram meros mortais e pecadores, e o que importava mais era o bem da politeia, não a vontade do povo. Nem a vontade deles era a única vontade que importava: tinha-se que ponderar a vontade de Deus, e sabia-se que Deus normalmente dava ao povo não o que ele queria, mas o que ele precisava. Ele lidava com o povo não de acordo com princípios fixos de justiça, mas em termos do que seria melhor para a salvação da alma de cada um. O termo bizantino para isso era oikonomía e ainda éum importante aspecto da teologia pastoral cristão ortodoxa. 

A abordagem bizantina da política era igualmente "econômica". A lei suprema era a segurança da comunidade. Todo o resto era discricionário. A garantia divina do imperador como um "agente da justiça" contra o mal era entendida pragmaticamente como um dever de os governantes restringirem o mal, e não de erradicá-lo. Concessões eram feitas por "humanidade, bom senso e utilidade pública", nas palavras de Justiniano, com o entendimento de que alguns males não são facilmente criminalizáveis. Os imperadores cristãos, portanto, eram lentos em banir muitos males condenados pela igreja mas que eram populares entre as massas como a escravidão, a prostituição, a pornografia e os jogos de gladiadores. 

Kaldellis admite que o ensino cristão fundamentava o comprometimento da república bizantina com o bem comum, e ele considera a Bizâncio cristã mais republicana que as duas fases anteriores da república - o Principado e o Dominato. Mas em sua ânsia de argumentar contra a leitura convencionalmente teocrática da historia de Bizâncio, ele erra pelo lado oposto, na direção de uma leitura essencialmente secular. "A politeia romana era cristã apenas acidentalmente", ele escreve, e o resultado era um república monárquica fundamentalmente secular "mascarando-se, para si mesma tanto quanto para os outros, como uma teocracia imperial". Os bizantinos seriam confusos, dados a "modalidades conflitantes de pensamento" e de oscilar "contextualmente" entre pensamento secular e religioso. Seu pragmatismo e seu republicanismo seriam ambos produtos de um pensamento secular, em conflito com o suposto idealismo e imperialismo cristãos. 


É nesse ponto que a dependência do próprio Kaldellis em face de concepções ocidentais do cristianismo interfere com sua análise. Ele escreve, por exemplo,que "secular" é uma "categorial fundamental do pensamento cristão". Pode-se argumentar que isso seja verdade no cristianismo ocidental, o qual tende a fazer distinções bem definidas entre as categorias de sagrado e profano, natural e sobrenatural, clero e povo, sacerdócio "religioso" e "secular", autoridade espiritual e autoridade temporal, a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Mas isso não é tão obviamente verdadeiro sobre o cristianismo ortodoxo. A Ortodoxia não tem um equivalente teológico exato de "secular" e lhes parece que os católicos enfatizam demais tais categorias. 

O uso que Kaldellis faz de “secular” é ainda mais distante do pensamento ortodoxo. Ele parece limitar o pensamento cristão a ideias a respeito da religião cristã, como se todas as demais ideias não fossem cristãs e fossem, portanto, seculares. Então, quando uma fonte bizantina atribui uma vitória à intervenção divina, ela estaria pensando “religiosamente”, e quanto a mesma fonte atribui a vitória à uma estratégia superior, ela estaria pensando “secularmente”. Kaldellis portanto não entende como os cristãos bizantinos conseguiam reconciliar a deposição de um imperador pelo povo com a ordenação daquele imperador por Deus. Ele só consegue classificar a coisa de inconsistente – e mais fundamentalmente secular que cristã. 

Surpreendentemente, Kaldellis identifica Jean-Jacques Rousseau como o teórico ocidental mais próximo da tradição bizantina, citando passagens do Contrato Social que até soam vagamente bizantinas. Rousseau define a república como “qualquer estado governado por leis, qualquer que seja a forma de administração”. Ele atribui a soberania ao povo e faz do governo seus ministros. E enfatiza a importância do consenso moral e vê a necessidade de uma religião civil. Quando ele escreve que as leis mais importantes não são as que estão escritas, mas as que estão “nos corações dos cidadãos”, segundo Kaldellis, Rousseau “revela-se um pensador clássico ao invés de moderno”. 

Essa é uma leitura superficial de Rousseau. Bizâncio era uma realidade histórica concreta – um povo em particular com um passado em particular, e tradições religiosas, legais, políticas e culturais – enquanto a república de Rousseau é só a mais uma ideia teórica ocidental, baseada em uma compreensão da natureza humana e da história que é muito anti-romana, anti-cristã e anti-bizantina. Em sua república teórica, todas as questões de valor definidoras do bem comum são definidas pela “vontade geral”, a qual não tem ligação com religião, tradição, instituição, constituição, contrato ou mesmo com a realidade. O povo é livre para construir uma nova civilização da forma que acharem melhor: ele só precisam de um legislador iluminado para mostrar-lhes como. Rousseau via a si mesmo nesse papel e chegou a oferecer sua consultoria em legislação revolucionária para a Polônia e Córsega. 

Mas o que Kaldellis vê em Rousseau, a ideia de um povo expressando sua vontade do jeito bizantino, afirmando sua soberania sobre o governo extralegalmente, é o motivo pelo qual Rousseau ainda se equipara a Marx como o principal profeta do esquerdismo, e porque podemos esperar que acadêmicos de esquerda abracem a recolocação que Kaldellis faz dos bizantinos como democratas seculares. Kaldellis mostra que a democracia pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Para conservadores americanos, ela significa eleições regulamentadas e aderência estrita à lei escrita e precedentes legais, mas para muitos esquerdistas americanos significa protestos públicos, desobediência civil e intimidação por turbas. A esquerda entende que se apenas a vontade do povo decide o bem comum, então o punho erguido é um indicador do bem comum melhor que o voto, pois quando o sistema não satisfaz, algumas pessoas vão se revoltar e algumas não. 

Brian Patrick Mitchell é autor de Eight Ways to Run the Country e protodiácono na Igreja Ortodoxa.

http://www.theamericanconservative.com/articles/byzantine-empire-or-republic/

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O que "União" significa para Ortodoxos e Católicos?


(O encontro do Patriarca com o Papa) foi vastamente coberto pela mídia, com o Papa e o Patriarca fazendo pronunciamentos conjuntos, orações conjuntas e documentos assinados conjuntamente. Até mesmo partilharam um abraço.


É fácil para o fiel ortodoxo simples e piedoso se escandalizar com tais ações, mas devemos lembrar que o Papa e o Patriarca ainda possuem objetivos mutuamente excludentes que os impedem de consumar uma união, isto é, para cada um dos dois, os termos da união são diferentes.


Em 05 de novembro de 2014, o Papa Francisco explicou seus objetivos claramente para a Audiência Geral na Praça de São Pedro. Ele disse:

"Quando Jesus escolheu e chamou os Apóstolos, Ele não pensava neles como separados uns dos outros, cada um por si, mas juntos, porque deviam permanecer unidos nEle, como uma única família. Além disso, os bispos também constituem um Colegiado único, reunido com o Papa, que é o guardião e garantidor desta profunda comunhão que era tão querida ao coração de Jesus e para seus Apóstolos também...
Nenhuma Igreja é saudável se os fiéis, os diáconos e os padres não estão unidos ao bispo. Essa Igreja, que não está unida ao bispo, é uma Igreja doente. Jesus queria essa união de todos os fiéis com o bispo, incluindo diáconos e padres. E isso eles fazem conscientes de que é precisamente no bispo que o elo é feito visível com cada Igreja, com os Apóstolos e todas as outras comunidades, unidas a seus bispos e ao Papa na Igreja una do Senhor Jesus, que é a nossa Hierárquica Santa Madre Igreja."




Portanto, de acordo com essas palavras do Papa Francisco, a Igreja Ortodoxa seria qualificada como "uma igreja doente", e a restauração da saúde de "uma igreja doente" (católica, ortodoxa ou protestante) só ocorre pela união com "o Papa na Igreja una do Senhor Jesus", para ele, a Igreja Católica Romana.


O Patriarca Bartolomeu também deixou seus objetivos claros pouca mais de um ano antes quando encontrou o Patriarca da Bulgária no Fanár em 20 de setembro de 2013. Em um pronunciamento sobre o diálogo ecumênico com os heterodoxos, o Patriarca Bartolomeu disse:

"Quanto às discussões e diálogos entre todas as igrejas ortodoxas e os heterodoxos, elas tem como propósito final a realização da vontade e mandamento do Senhor: "Que todos sejam um" (Jo. 17:21). Agora contribuem para a cooperação social e o testemunho da verdade, e ambos objetivam uma compreensão mútua e, na hora certa, a aceitação da única fé ortodoxa por parte dos heterodoxos. Não buscamos, como foi escrito na Bulgária e em outros lugares, a criação de um 'conglomerado' de crenças comuns aceitáveis. Isto é, não estamos buscando através do assim chamado movimento ecumênico, a aceitação de uma "confissão cristã sincrética", mas um aprofundamento da fé cristã ortodoxa e da cooperação social com aqueles que invocam o nome de Cristo.
Naturalmente, não temos medo, como ortodoxos e que possuímos a plenitude da verdade, de que seríamos afetados pelos pontos de vista de nossos irmãos heterodoxos em questões doutrinais. Estamos apenas seguindo um tradição eclesiástica longamente mantida, resumida no conselho de S. João Clímaco: "no caso daqueles que disputam maliciosamente conosco, sejam descrentes ou hereges, devemos desistir depois de tê-los alertados duas vezes. Mas no caso daqueles que desejam aprender a verdade através de nós, jamais nos cansemos de boas ações. Entretanto, devemos usar ambas as oportunidades para o estabelecimento de nosso próprio coração" (Escada, Degrau 26:125). Através dessa estratégia não estamos traindo a Ortodoxia, como nos criticaram, nem apoiamos conceitos ecumenistas, mas proclamamos aos heterodoxos toda a verdade da Ortodoxia".


Portanto, de acordo com o Patriarca Bartolomeu, a Igreja Católica Romana, é uma igreja heterodoxa que deve "no tempo certo" aceitar "a única fé ortodoxa" para que haja união entre as Igrejas Ortodoxa e Católica.


Vemos que cada um tem em mente sentidos mutuamente excludentes para a palavra "união", mesmo quando a pronunciam juntos, sem que haja objetivos comuns. Ambos desejam a união, cada um a seu modo, como todos os cristãos deveriam desejar a união, mas a consumação de tal fato através da intercomunhão, partilhando o cálice da Divina Eucaristia tanto em uma igreja como em outra, só poderia ocorrer se ou o Papa ou o Patriarca fizessem sérias alterações doutrinárias, e não há sinais de que essa possibilidade sequer esteja no horizonte.


Adaptado e resumido de: http://www.johnsanidopoulos.com/2014/11/the-mutually-exclusive-goals-of-pope.html

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Encíclica Sobre Ecumenismo do Bispo Nicholas de Mesogaia e Lavreotiki



01 de junho de  2014

(...)

O Ocidente perdeu sua fé. O Oriente até hoje preserva a fé Ortodoxa, mas eu pergunto o quanto nós ortodoxos vivemos essa fé? E se nossas vidas não correspondem a nossa fé, talvez sejamos piores do que eles que a perderam por ignorância.

Ao invés de gritar em tons ofensivos contra o Ocidente, talvez o objeto da nossa reprovação devesse ser nós mesmos? Verdadeiramente, qual o benefício de defender uma fé que não é confirmada em nossa vida?
De que adianta criticar duramente uma pessoa que nasceu e foi educada daquela forma, quando não há crítica igual por nossa inconsistência?

No fim das contas, o que talvez seja necessário nas relações inter-cristãs, não são as incessantes recriminações das "ilusões do Ocidente", nem também as exuberantes manifestações de amizades imaturas, mas antes uma confissão sem rodeios da fé ortodoxa e de nosso humide convite aos ocidentais. Talvez eles acabem por viver a fé mais consistentemente do que nós que a preservamos e entretanto não a realizamos em nossas vidas, nem o ethos e o ensino que eles ignoram enquanto possivelmente buscam pela verdade.

O que precisamos é unidade na humildade da parte de nós ortodoxos e a confissão de nosso amor pelo mundo e pelos heterodoxos.

O que devemos oferecer não é a recriminação dos outros pelos seus erros, mas acima de tudo nosso arrependimento pelo déficit do testemunho em nossa vida. Se eles não vêem a diferença em nossas vidas, como virão a reconhecer nossas doutrinas?

Se o Ocidente não confessar humildemente suas aberrações doutrinais e sua necessidade de retornar à "plenitude da verdade", e se por outro lado o oriente ortodoxo não viver a benção de sua riqueza teológica sob sua responsabilidade, e não discernir a necessidade de arrependimento pelo seu testemunho inconsistente, então os diálogos, orações prematuras e encontros inter-eclesiásticos terão apenas um caráter secular de comunicação enquanto essencialmente apenas aprofundam a confusão e distanciam todos nós da una verdade salvífica.

Irmãos, "Vigiai! Sede firmes na fé! Sede homens! Sede fortes! Tudo o que fazeis, fazei-o na caridade." 
(1 Cor 16:13,14)

Com orações e muito amor no Senhor,
Bispo Nicholas de Mesogaia e Lavreotiki