terça-feira, 15 de julho de 2014

O Papel dos Esposos na Igreja Ortodoxa: Moisés e Tobias 3/3

Moisés





Ouvindo, pois, Faraó este caso, procurou matar a Moisés; mas Moisés fugiu de diante da face de Faraó, e habitou na terra de Midiã, e assentou-se junto a um poço. E o sacerdote de Midiã tinha sete filhas, as quais vieram tirar água, e encheram os bebedouros, para dar de beber ao rebanho de seu pai. Então vieram os pastores, e expulsaram-nas dali; Moisés, porém, levantou-se e defendeu-as, e deu de beber ao rebanho. E voltando elas a Reuel seu pai, ele disse: Por que hoje tornastes tão depressa? E elas disseram: Um homem egípcio nos livrou da mão dos pastores; e também nos tirou água em abundância, e deu de beber ao rebanho. E disse a suas filhas: E onde está ele? Por que deixastes o homem? Chamai-o para que coma pão. E Moisés consentiu em morar com aquele homem; e ele deu a Moisés sua filha Zípora, a qual deu à luz um filho, a quem ele chamou Gérson, porque disse: Peregrino fui em terra estranha. - Êxodo 2:15-22

Diferente de Jacó, Moisés não teve nenhuma instrução ao sair de casa, fugindo da punição pelo assassinato que cometera. Mas o próprio Deus o guiava e cuidou para que ele seguisse o caminho determinado. Sem saber, ele já se colocara perto da casa de sua futura esposa. Agora reparem uma coisa. Antes mesmo de estar comprometido com sua esposa, antes mesmo de sequer saber que ela existia, guiado pela inspiração de Deus, Moisés defende a família dela, nas pessoas de suas irmãs. Reuel, pai de Zípora, não hesita em dar a mão de sua filha em casamento a Moisés, e isso porque ele viu que Moisés não era homem de promessas. Ele não era mais um dizendo que, no futuro, depois dela provar que estava disposta a fazer-lhe concessões, aí então, ele a defenderia, a protegeria. Ele já tinha defendido a família dela, e por extensão a ela mesmo. Ele não disse que ia fazer. Ele já tinha feito. Moisés não pediu nada, não prometeu nada, mas já entregara tudo que demonstrava seu caráter.

Assim como Deus em Jesus Cristo, o Qual não explica muito o que ele ia fazer para nosso bem. Ele dá sinais, não faz segredo exatamente, mas também não alardeia. Ele simplesmente faz, e só promete quando é necessário *para nós,* para que nos sintamos seguros. Assim deve agir o esposo em relação à esposa. Ele não promete que vai amá-la, defende-la, habitar em seu mundo. Ele simplesmente o faz. E o pai de Zípora, sabendo disso, não vai procurar um homem que promete que, no futuro, vai amar, proteger e se arriscar por sua filha, mas depois dela mostrar obediência e vontade de fazer concessões para ele. Ele identifica e abençoa a união com o homem que na prática e concretamente, sem promessas, já se arriscara, já se protegera e já demonstrara amor, ainda que de forma indireta através das irmãs. Para Reuel, estava claro que, mesmo sem saber, aquele homem era o marido de sua filha, guiado por Deus até ali. E depois de tudo isso, mais uma vez, Moisés não chama Zípora para seu mundo de origem, o Egito. Ele vai morar na casa do pai dela. Ele não pede para ela deixar de trabalhar na tribo do pai,o que iria enfraquece-la tornando-a sombra dele. Ele é que se torna pastor lá, fortalecendo o casal. Com isso ele deixa para trás definitivamente o mundo em que nascera, e onde era príncipe, mas consente em ser pastor no mundo e na vida dela, assim como Cristo, rei do universo, sai das riquezas da Eternidade e nasce entre pastores, em meio a nossa pobreza, para se unir à sua amada, a Igreja. 

Finalmente, reparem que ao defender as irmãs de sua esposa, sem saber ainda, Moisés está lutando por ela. É da psicologia do homem o gostar de lutar, conquistar, vencer. Infelizmente, alguns homens pensam que lutar por uma mulher é lutar contra ela, contra o coração dela. Ele percebe que o natural dela é não estar com ele, que ela possui inclinações, e tendências que a afastam dele e "luta" contra esses atributos naturais de sua alma, "por ela" para forçá-la a pertencer a ele. Isso não é lutar por uma mulher, mas contra ela. É desejar tê-la, e não desejar o bem dela. O foco é o próprio homem que deseja se servir dela. A luta correta que um homem deve realizar por uma mulher é contra as *circunstâncias* negativas que naturalmente sobrevém a qualquer pessoa ou casal, representada ali pelos maus pastores. Crises econômicas, doenças, circunstâncias externas. Se de início Moisés tivesse que sequestrar e amarrar Zípora, ele seria um traficante de escravos e não um marido. Lutar por alguém, mesmo fora do contexto de casamento, é sempre contra externalidades, nunca com a pessoa em si.

Tobias



É importante lembrar que nada disso que temos falado até agora, isenta o homem dos seus deveres de honrar seus próprios pai e mãe. Claro que ele continua devedor deles e deve assisti-los. Com certeza, haverá dificuldades para o homem em harmonizar o cuidar de sua família de nascimento e da família que formou, estando mais afastado da primeira. Mas se o homem quer ter algum desafio para sua autoafirmação, esta é a prova que Deus lhe oferece: “Honre seus pais, mas vá para a casa de sua esposa”. 

Tanto é assim que no livro de Tobias, o personagem central promete aos pais que ficaria com eles até a morte de sua mãe. Guiado pelo arcanjo Rafael, ele vai até a casa de seus futuros sogros, conhece e casa-se com sua esposa, voltando com ela para a casa de seus pais. Essa medida, porém é temporária, e assim que sua mãe falece, com a promessa cumprida, Tobias retorna com a esposa para a casa dos sogros, onde passa o resto da vida, conforme os mandamentos de Deus.

Outro ensinamento importante do livro de Tobias é que não adianta forçar a realização de casamentos que não são abençoados por Deus, nos quais os noivos não cumprem os papéis conforme explicamos e que provêm dos mandamentos dados por Deus.

Sara, a esposa de Tobias, já havia se casado sete vezes, e em todas elas o esposo morrera na própria noite de núpcias. Mais tarde, o arcanjo de Deus, Rafael, explica que um dos motivos para aquilo ter ocorrido é que o marido que Deus lhe havia destinado era Tobias e nenhum outro. Não sendo o casamento que Deus queria, nenhum dos sete poderia ter dado certo. 

O casamento não é um fim em si mesmo, e sem Deus, não sendo cumprimento da vontade de Deus, sempre trará mais dor e tragédia do que paz e alegrias. De fato, o pecado dos pais de Sara e dela própria foi de terem realizados casamentos apenas pelo afã de resolver o “problema” de uma filha em idade casadoira, mas sem noivo. Enquanto não havia chegado o noivo destinado por Deus, todos os casamentos deram errado. Na verdade, por horrível que tenham sido seus sete casamentos com viuvez, o pior que poderia ter acontecido seria um dos tais casamentos ter “dado certo”, e quando Tobias chegasse a encontrasse comprometida com um homem que não era o que Deus queria para ela. Sendo homem de Deus, Tobias não iria interferir no casamento de Sara por mais que a amasse, e ela, também sendo fiel a Deus, não consideraria divorciar-se para ficar com Tobias. Por Graça de Deus, houve a libertação, e o errado não deu certo. O pecado havia sido ter começado aqueles casamentos, para começo de conversa, pois demonstrava falta de paciência e confiança em Deus por parte dos envolvidos.

Isso também representa como toda nossa fé, amor e devoção, entregues a espíritos, deuses, valores, ideologias, dinheiro, prestígio, ambição, luxúria, comodismo, desespero, não tem nenhum valor em si simplesmente por serem fé, amor e devoção. Eles tem que ser entregues à realização da vontade do Senhor. Os sete maridos de Sara podem ser entendidos como os sete pecados a que se entrega a alma, e Tobias, é o Cristo, o noivo destinado pelo Pai para habitar com nossa alma, representada pela própria Sara.

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Lembremos enfim irmãos, que como cristãos não devemos seguir os exemplos e sabedoria do mundo. 

A fé cristã é muito caluniada no mundo por ensinamentos que sequer são os seus. Nossa fé não ensina que as pessoas tem que casar simplesmente porque chegaram a uma certa idade, ou porque o "namoro já foi longo demais", não ensina que o casamento é um fim em si mesmo e que a nossa felicidade depende de outra pessoa (na verdade S. Paulo diz até que a vida monástica é melhor que a de casado!), não ensina que o papel do homem seja dar presentes, dominar a mulher seja de que forma for, não ensina maus-tratos e desrespeito às mulheres, não ensina que elas devem ser “obedientes” aos homens no sentido vulgar e mundano da palavra. Ao contrário, exige dos homens nada menos que a bravura e a maturidade de se sacrificarem por suas amadas, de amarem-nas tanto que deem até suas vidas físicas por elas, se necessário for. Ensina que a "condução" do homem e a "obediência" da mulher é semelhante ao que ocorre na dança de casal, onde ela ocorre com suavidade, concordância de ambos, a mulher sabendo que poderá se deixar cair e ele vai segurá-la, que ela poderá saltar, e ele irá ergue-la; e sob o ritmo de uma força maior - no casamento a música é a vontade de Deus. 

Ensina também que o mais saudável, psicológica e espiritualmente, para ambos, é que o homem é que saia do seu “mundo” - homens *precisam* sair de "casa" para amadurecer - e passe a fazer parte do “mundo” dela, para que ambos possam se erguer, pois isso é parte de servir a mulher que ama, como Cristo serve a Igreja.

Lembremos que o “Noivo” dá a vida pela “noiva”, que o homem deve ter sempre Jesus Cristo como exemplo e modelo de amor por sua mulher, sua irmã de espírito e amiga, não de momentos e diversões, mas de toda a sua jornada, agindo conforme disse Nosso Senhor, “Amor maior que este não há: dar a sua vida por seus amigos.” (S. Jo. 15:13)

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O Papel dos Esposos na Igreja Ortodoxa: O Cântico, Adão e Jacó 2/3

O Cântico dos Cânticos

Mal passara por eles, encontrei aquele que meu coração ama. Segurei-o, e não o largarei antes que o tenha introduzido na casa de minha mãe, no quarto daquela que me concebeu. Can. 3:4

Também as mulheres devem ter em mente que o melhor para os dois, para a maturidade pessoal dela e do marido, é que ele vá viver no mundo dela.

No livro Cântico dos Cânticos a mulher está plenamente consciente que o destino do esposo é que ele vá para a casa da mãe dela, uma vez mais, que ele viva o mundo dela, da forma mais profunda possível, simbolizada por um dia eles dois dormirem juntos no quarto que um dia foi dos pais dela. Como símbolo, guarda outro ensinamento. Nossa época valoriza muito a tal da "adolescência estendida", que invade a vida adulta até os 30 anos e às vezes até passa. Mas isso é extremamente prejudicial para a mente e o espírito. Que o menino se torne o pai e patriarca da casa, que a menina se torne a mãe e matriarca, se tornando responsáveis por suas famílias, tanto os mais velhos quanto os mais novos, é o natural, e não uma vida de diversões adolescentes sem fim. "Entrar no quarto dos pais" é "tornarem-se os pais". Claro que existem casos de pais perversos, nos quais todo um trabalho na alma das pessoas tem que ser feito para que elas se tornem pais diferentes dos seus próprios, mas é antes exceção do que regra.

O livro ensina também que a mulher deve ter cuidado ao escolher. Veja que ela conhece vários homens (não sexualmente!), mas segura apenas aquele que sabe que irá para a sua própria casa. Ela deve evitar o homem que não deseja fazer isso. Ele ou tem más intenções, querendo encurralá-la em um ambiente ou situação em que ela se fragiliza sem sua rede de proteção, ou é imaturo e egoísta, ainda não está preparado para de fato ser marido e pai. Ainda age como um menino mimado que deseja ser agradado, servido e protegido, ao invés de assumir o papel de homem que protege, ama, se expõe e se sacrifica pela mulher que ama e deseja.

O livro Cântico dos Cânticos costuma ser descaracterizado do seu sentido imediato de um poema de amor esposal, para ser ensinado exclusivamente como um símbolo da relação de Deus com a Igreja. A questão é que ele é um símbolo desta relação precisamente porque fala do casamento, e ensina não apenas como um esposo deve tratar sua esposa, mas até sobre como olhar para ela e vice-versa.

Toda a conversa sobre o homem ser “o cabeça” da esposa, e ela ser “obediente” a ele, está exemplificada ali, e se tem algo que não está presente são relações de subserviência, de submissão, de apagamento de qualquer um dos dois. Nem o esposo nem a esposa são empregados um do outro. O esposo se doa completamente a esposa, olha para ela com absoluto encantamento, em uma mistura de carinho, desejo sexual, amor, respeito, amizade e admiração, tudo ao mesmo tempo e também ela olha para ele dessa forma. A “obediência” dela é antes gratidão natural pelo tanto que ele a ama em sentimentos *E* em ações. Veja como a esposa fala de seu esposo nesta Santa Escritura:

3.Como a macieira entre as árvores da floresta, assim é o meu amado entre os jovens; gosto de sentar-me à sua sombra, e seu fruto é doce à minha boca. 4. Ele introduziu-me num celeiro, e o estandarte, que levanta sobre mim, é o amor. 5. Restaurou-me com tortas de uvas, fortaleceu-me com maçãs, porque estou enferma de amor. 6. Sua mão esquerda está sob minha cabeça, e sua direita abraça-me.
10. Meu bem-amado disse-me: Levanta-te, minha amiga, vem, formosa minha.

O esposo é para ela como a macieira que a acolhe no dia de sol, e os seus frutos, as ações que ele realiza por ela, são todos doces, bons. Não há aí agressão, inveja, exigências esdrúxulas, apenas o desejo do bem dela. Ele estava frágil e cansada e ele a colocou em um celeiro, mais uma vez protegendo-a, e o estandarte que levanta sobre ela não é o de um rei cruel e exigente, sempre a desejar o sacrifício de seus servos, mas o estandarte do amor que se doa. Ele não a fere, ele a restaura. Ele não a enfraquece, ele a fortalece. Com sua mão esquerda a protege, com a direita a ama carinhosamente. Finalmente, o esposo não diz “curva-te”, mas diz “levanta-te”, chama-a não de “serva”, alguém que vive para o bem dele, mas de “minha amiga”, alguém que é igual a ele. Quando diz “vem”, é para enfatizar o “levanta-te”, pois nas horas de queda, ele está lá para ajuda-la a lembrar-se que é capaz. E acima de tudo, ela é a beleza da vida dele, “formosa minha”.

Não existe livro melhor no mundo para educar os esposos no trato e sentir um com outro do que Cântico dos Cânticos. Vale ler o livro inteiro.

Adão

Nas Santas Escrituras vemos a recomendação de o homem entrar no mundo da mulher desde o Gênese. Vejam a passagem:

E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne. - Gênesis 2:22-24

Reparem que assim que Deus forma a mulher, antes mesmo da Queda, Deus já define o papel do homem conforme explicamos aqui: o homem deixará o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher. Vejam que Adão nem tinha pai e mãe, mas o papel futuro de todos os homens já está definido nele: é o homem que tem que deixar sua família para ficar com sua mulher. Ele é que tem que sair “da barra da saia da mãe” e ir viver a vida e o mundo social e familiar da sua esposa, como Deus deixou os céus para viver em nosso mundo. Nunca o contrário. Já ali vemos uma prefiguração da Encarnação e da Salvação, na descrição do papel de homem no casamento. 

Jacó

E Isaque chamou a Jacó, e abençoou-o, e ordenou-lhe, e disse-lhe: Não tomes mulher de entre as filhas de Canaã; Levanta-te, vai a Padã-Arã, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma de lá uma mulher das filhas de Labão, irmão de tua mãe; E Deus Todo-Poderoso te abençoe, e te faça frutificar, e te multiplique, para que sejas uma multidão de povos; E te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua descendência contigo, para que em herança possuas a terra de tuas peregrinações, que Deus deu a Abraão. - Gênesis 28:1-4

Isaque ordena que Jacó se vá para evitar futuras brigas com seu irmão Esaú. Mas não apenas isso. Ele especificamente ordena que ele vá para a casa de sua futura esposa. No caso, por hábitos culturais da região e da época, o pai ordena a Jacó que ele vá se casar com uma de suas primas e more na casa de seu sogro e tio. 

Hoje em dia, não só a relação entre primos é reconhecida como inapropriada, mas dificilmente o homem vai morar com os pais de sua esposa, e nem seria isso conveniente. O importante é aplicarmos o princípio da coisa, o “espírito” da lei: o homem é que sai de seu “ambiente” para participar mais do ambiente familiar e social da esposa, mesmo que morem em casa própria. Além de ser a correta ordem espiritual, tem inúmeras vantagens psicológicas e sociais. Primeiramente defende a mulher. Dificilmente um homem cometerá algum tipo de injustiça ou violência sob as vistas dos pais, irmãos, parentes e amigos da mulher. De fato, estudos mostram que homens egoístas ou até francamente agressivos, tendem a afastar a mulher o máximo possível do seu ambiente de segurança. Ele exige que ela frequente mais seus amigos que os dela, não raro ao ponto que ela conviva mais com os círculos dele do que com os dela. Isso, claro, apenas a deixa vulnerável, pois os familiares, amigos e colegas dele tenderão a ficar do lado dele nas disputas, infelizmente até nas traições e violências, jogando todas as culpas sobre ela.

Quando Deus pede que o homem O imite e saia do seu círculo para o círculo da mulher, está cuidando também da saúde, segurança e bem-estar dela. Do ponto de vista psicológico, é mais comum que as mulheres tenham a sua realização pessoal mais ligada à família do que os homens. Inclusive é por isso que ele pode fazer essa transição com alguma tranquilidade, pois boa parte da realização pessoal do homem inclui, mas não depende tão fortemente do contato físico e constante com o círculo familiar. Um homem que saia de seu círculo familiar e de amigos para entrar no da mulher, consegue manter-se melhor, porque isso não constitui sua identidade de forma tão intensa quanto a dela. Repare que é muito mais comum para mulheres sofrerem do trauma do “ninho desfeito”, quando ela vê ser desfeita sua família original, ou a família que formou. Naturalmente que isso também abala os homens, mas o impacto na alma feminina tende a ser mais profundo e mais grave, podendo até refletir-se em doenças físicas. 

Ao ordenar aos homens que convivam com a família de sua esposa, Ele protege o coração da mulher, que verá de forma bem próxima ambos os núcleos familiares, o que ela nasceu e o que ela está formando. E quando, pela ordem natural das coisas, o núcleo familiar em que ela nasceu for desaparecendo por morte dos pais, ela terá a sensação de dever cumprido por ter estado perto deles, e terá ainda o novo núcleo ao seu lado dando apoio.

terça-feira, 8 de julho de 2014

O Papel dos Esposos na Igreja Ortodoxa 1/3



Uma das coisas mais deprimentes de se ver é um homem que busca apagar a mulher que diz amar para que ela se torne apenas mais um dos elementos de sua realização pessoal. Além de um bom emprego, um bom carro, uma boa casa, ela entra como uma boa amante, uma boa mãe dos filhos dele, uma boa dona de casa, uma boa mulher para mostrar em sociedade e provar que conseguiu a "presa" mais valiosa do grupo, mas tudo isso é só um serviço para ele mesmo. Ele não ama a ela em particular, mas a qualidade dos "serviços" que ela pode lhe prestar.

Ele pede, com “jeitinho” se for minimamente educado, ou com violência se for um animal, que ela se dedique prioritariamente a contribuir, a ceder sempre, agora só um pouquinho, depois mais um pouquinho; e no fim o pouquinho se torna o tempo inteiro, a vida toda. A missão da mulher se reduz a realizar a vida dele, sem que ela tenha tempo de se ocupar com o que Deus pôs em seu próprio coração. A ela cabe sacrificar sua família, seus sonhos, sua realização pessoal, ou ao menos coloca-los entre parênteses, para que ele se realize em primeiro lugar, e, se der tempo, quem sabe ela possa até ter um trabalhinho para ganhar um trocado e não ficar tão ranzinza, negando sexo ou não sendo perfeitinha o tempo inteiro, não é? Mas desde que isso não atrapalhe a vida *dele*, a qual, essa sim, não pode ceder em nada, não pode se abalar em nada, não pode se desviar em nada. Naturalmente, esse "homem" pode sê-lo em idade, fisicamente, socialmente, financeiramente mas tem o coração de moleque ainda.

Se o infeliz tiver acesso a fontes cristãs, pode ainda abusar de trechos que falam da “obediência” da mulher, do papel dela como “auxiliadora” do homem e várias outras. Pior ainda se a mulher mesma cai nessa armadilha ou se acredita nisso.

O modelo cristão, porém, diz que o casamento é ícone da relação de Deus com a Igreja. O esposo deve agir em relação à esposa como Deus (o Deus cristão), age em relação à Igreja: saindo da sua origem, "encarnando-se" no mundo da amada, morrendo por ela, e dando-lhe a força de sua própria vida.

O Noivo - O Rei da Glória - Extrema Humildade
Modelo de Namorado, Noivo e Marido
E se tivermos preguiça de ler as Santas Escrituras, basta participarmos das cerimônias da Semana Santa que antecedem a Páscoa para entendermos o que a Igreja exige dos maridos. Entre elas existe a Cerimônia do Noivo (O Nymphios - Ο Νυμφιος). Ali temos o ícone de “Cristo, o Noivo”, também chamado de ícone da Suprema Humildade. O ícone remete à parábola das Dez Virgens em S. Mat 25, mas o a imagem em si mostra o Cristo no momento da Paixão, coroa de espinhos na cabeça, manto nas costas, o corpo coberto de feridas. O significado teológico é riquíssimo, mas vamos nos ater ao assunto do artigo. O ícone e a cerimônia do Noivo são também um recado aos homens, no seu papel de namorados, noivos e maridos: você tem que ser por ela como Cristo no caminho para o Calvário. É você tem que morrer pela mulher que ama. É você que se coloca em risco, que não teme ser ferido por muito amá-la, não apenas fisicamente, mas integralmente até a alma. Por ela você aceitará a ingratidão, a traição, a calúnia, a injustiça, surras do mundo, perseguições, infâmias, e por amor dela e de sua salvação você subirá voluntariamente na cruz, mesmo que tivesse os meios de evitar esse destino. O verdadeiro heroísmo, a verdadeira luta, é suportar as dores do mundo por ela. O herói, o "cabeça" não pede nem exige que a noiva é que se sacrifique por ele - e evidentemente *nunca* a agride, situação em que ele representa o demônio e não Deus. Você é que se sacrifica por ela.

Como Cristo deixou sua amada mãe para subir na Cruz por amor da Igreja, como Cristo deixou os céus para viver na terra com sua Igreja, como Cristo abdicou do uso de Sua onipotência para compartilhar de nossa vida, você, homem, tem o dever de abdicar da sua vida pela sua esposa. É você quem deve se sacrificar por ela sem esperar retribuição. É você que sai da sua zona de conforto por ela, que muda seus planos e modo de vida por ela. É você que abdica das suas coisas pelas coisas dela. É você que se preocupa mais com a realização pessoal dela do que com a sua. É verdade que a Igreja diz que a mulher deve ser obediente e devotada ao marido, mas não a qualquer marido, e sim a esse marido que descrevemos. O marido que coloca a esposa em primeiro lugar, que a honra e ama, a ponto de abdicar da glória pessoal para exaltá-la. Que se une a ela e a tem como igual (lembram que Cristo-Deus chama os Apóstolos de “amigos” e “irmãos”?)

Apenas a um tal homem que deseja o bem o tempo inteiro à amada, que só pensa em glorifica-la e vê-la nos céus, que se sacrifica por ela o tempo inteiro, apenas a um tal homem é que ela pode dedicar sua confiança e sua obediência, segui-lo e se tornar sua auxiliadora, inclusive porque ela o auxilia naquilo que é a principal meta dele: amá-la, desejar o seu bem, engrandece-la. É assim que Deus age com a Igreja. É assim que o marido deve agir com a esposa. Ele não pede que ela se crucifique por ele, ele se crucifica por ela. E apenas se, diante dos problemas da vida, ele for crucificado pelos perversos ou pelas circunstâncias, é que ela o acompanha, como Maria estava ao pé da Cruz de seu Filho, como os santos acompanham o martírio do Cristo. Mas Cristo *nunca* pediria à mãe ou à Igreja que fizesse aquilo que era dever dEle fazer. Em plena Cruz, ao invés de pensar em Si, ele estava providenciando para Sua mãe um protetor terreno na figura de Seu primo e discípulo S. João, e não pedindo que eles dois se crucificassem para que Ele pudesse viver, sob a desculpa dEle ser o Cabeça (que Ele era de fato) e eles lhe deverem obediência (que eles realmente deviam). Esse é o único papel digno da expressão “ser esposo”.

Este é o teste definitivo para um homem saber se realmente ama uma mulher: Você sente alegria em desistir de tudo que é seu por direito por ela? Você se sente extremamente feliz em ser o “cabeça” da vida dela através da dedicação da sua própria vida em ajuda-la a realizar seus sonhos e alegrias, a vê-la brilhar? Você se sente realmente feliz de vê-la forte e no local de seu próprio coração, ou isso te dá insegurança, ciúme e uma sensação de que ela não está se dedicando o suficiente a você? Quando você diz a ela “eu te amo” isso significa que ela é o centro da sua vida, ou o que você ama são as coisas que ela pode te oferecer: sexo, prestígio, elogios dos outros, segurança?

Se a sua resposta for não para uma dessas perguntas, ou se escolheu a segunda opção da última pergunta; ou pior, se você sente que se dedicando a ela em primeiro lugar estará desistindo de algo muito importante para você, então você não a ama. E tenha cuidado, porque se você percebe que servindo a esta mulher você estará se anulando ou desistindo de algo importante na sua vida, é porque esta *não* é a mulher que Deus reservou para você e você não é o homem que Deus reservou para ela. Pois quando encontrar a mulher que Deus reservou para você, é fazendo tudo isso por ela que você se sentirá realizado como esposo, e isso poderá mudar sua vida, mas não vai abalar seu coração nem sua alma. E você, como homem, reconheça o quanto é indigno que sua segurança e força dependam de outras pessoas, ainda mais do apagamento de uma mulher. É uma covardia e um bullying. Como homem, sua força, caráter e estabilidade emocional tem que vir de Deus em primeiro lugar e de sua própria força interior em segundo. Você não suga sua força dela. É você quem empresta sua força a ela. Você não a usa para ter a honra da sociedade. Você tem o dever de conquistar essa honra por suas próprias forças, sem depender dela para isso. Seja homem! É você que empresta sua honra para ela.

Talvez você sinta desejo por essa mulher, talvez você sinta amizade, talvez você tenha algum tipo de dependência emocional em relação a ela, talvez você esteja só possessivo e tendo visto que ela é preciosa de alguma forma (por ser bela, ou inteligente, ou estilosa, ou atende algum ideal social de “boa esposa”) deseja tê-la para si, querendo que ela sirva seus propósitos, mas definitivamente não a ama, pelo menos não como esposo. Deus não pede nada impossível para nós. Se Ele ordenou que nós seguíssemos a vocação que Ele mesmo pôs em nossos corações e, ao mesmo tempo, ordenou que o homem sirva à sua mulher e que a mulher seja obediente ao seu marido, então não será a relação que Deus quis se a relação entre vocês dois impede a vocação de um dos dois, ou se a relação entre os dois não é harmônica nos termos que Deus ordenou e acabamos de explicar.

Se você não ama o mundo dela, no qual você deve entrar, então você não a ama. Infelizmente, alguns homens acham que "lutar" por uma mulher consiste em lutar para tirá-la do mundo dela, e condicioná-la ao seu mundo. Não é assim para o cristão ao menos. Repito: seguimos o exemplo de Cristo-Deus, o marido é que deixa o seu mundo e se "encarna" no mundo dela, se tornando parte dele. E deixe-me te dar uma dica. Se você não gosta do "mundo" dela, tirá-la de lá não vai adiantar nada, porque ela sempre vai trazer esse mundo em seu coração, ela sempre estará lá. É verdade que alguns homens percebendo isso trabalham para apagar ou mudar o que elas trazem na sua alma, mas esses são homens por força de expressão apenas. Não passam de covardes.

Por outro lado, se esse mundo é ruim ou desagradável para você, e se você tem a decência de não tentar destruir isso nela, nem mudar nada, você é que vai terminar com uma mulher que te irrita, ou te ignora, ou te despreza. Em algum momento vão descobrir a tal "incompatibilidade de gênios" ou os tais "santos que não batem". O conselho de Deus para que você entre no mundo dela, além de proteger a ela, protege você também. Te permite saber no que você está entrando, literalmente ver a alma dela nos elementos externos que a cercam; e nós homens somos muitos visuais, nós precisamos disso. Se a mulher possui um círculo cultural, intelectual, social, familiar ou de amigos que você não se encaixa, então tenha certeza, ela não se encaixa na sua vida também. Não vai adiantar você afastá-la de lá.

Nós dois próximos artigos da série, veremos o papel do esposo nas Santas Escrituras, começando pelo livro Cântico dos Cânticos, por excelência o livro dos casados, e depois com alguns exemplos de esposos na Bíblia e como Deus ordenou aos esposos saírem do seu "mundo" para se dedicarem ao “mundo” de suas esposas.