sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A Igreja Ortodoxa e a Imaculada Conceição

Nesta entrevista, Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico de Constantinopla, comenta o dogma latino da Imaculada Conceição.





Entrevistador:


A Igreja Católica celebra neste ano o aniversário de 150 anos da proclamação do dogma da Imaculada Conceição. Como a tradição cristã bizantina e oriental celebram a Concepção de Maria e sua completa e imaculada santidade?



Bartolomeu I:

A Igreja Católica considerou ser necessário instituir um novo dogma para a Cristandade mil e oitocentos anos depois da aparição do Cristianismo, porque ela aceitou um entendimento do pecado original – equivocada para nós Ortodoxos – segundo o qual o pecado original transmite uma mácula moral ou um responsabilidade legal aos descedentes de Adão, ao invés da abordagem reconhecida como correta pela fé Ortodoxa de que o pecado transmite a herança da corrupção, causada pela humanidade ter separado-se da graça incriada de Deus, o que o fez viver espiritualmente e na carne. A humanidade, moldada da imagem de Deus, com a possibilidade e o destino de ser semelhante a Deus ao escolher livremente o amor a Ele e a obediência aos Seus mandamentos, pode, mesmo depois da queda de Adão e Eva, tornar-se amiga de Deus em intenção; então Deus nos santifica, assim como santificou muitos dos progenitores antes de Cristo, mesmo que a plena realização do resgate da corrupção, isto é, sua salvação, tenha sido atingida depois da encarnação de Cristo e através dEle.

Consequentemente, de acordo com a fé ortodoxa, Maria, a Santíssima Mãe de Deus não foi concebida isenta da corrupção do pecado original, mas amou a Deus acima de todas as coisas e obedeceu a seus mandamentos, assim recebendo a santificação de Deus através de Jesus Cristo que encarnou-se a partir dela. Ela O obedeceu como uma dos fiéis e se dirigiu a Ele com a confiança de uma mãe. A santidade e a pureza dela não foram maculadas pela corrupção, que ela recebeu do pecado original como todo ser humano, precisamente porque ela renasceu em Cristo como todos os santos, santificada acima de todos os santos.

Sua restituição à condição anterior à da Queda não aconteceu necessariamente no momento da concepção. Acreditamos que aconteceu depois, como consequência nela do progresso da ação da graça divina incriada, na visitação do Espírito Santo, que causou a concepção do Senhor nela, purificando-a de toda mácula.

Como já dito, o pecado original manifesta-se nos descendentes de Adão e Eva como corrupção, e não como responsabilidade legal ou mácula moral. O pecado trouxe corrupção hereditária e não uma responsabilidade legal hereditária, ou uma mácula moral hereditária. Consequentemente, a Panaguia foi vítima da corrupção hereditária, como toda a humanidade, mas com seu amor por Deus e com sua pureza – compreendida como uma dedicação imperturbável e sem hesitação no amor por Deus – ele conseguiu, pela graça de Deus, santificar-se em Cristo e tornar-se digna de ser a casa de Deus, como Deus deseja que todos nós seres humanos sejamos. Portanto, nós na Igreja Ortodoxa honramos a Toda-Santa Mãe de Deus acima de todos os santos, embora não aceitemos o novo dogma da sua Imaculada Conceição.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A Comemoração da Santa e Vivificante Cruz




A Cruz, símbolo das dores e do sacrifício que passamos na vida, é chamada de Santa pela Igreja e é o ponto mais marcante da Paixão de Cristo. Existe um profundo ensinamento aí sobre o Amor e que nosso tempo esqueceu. É que o Amor verdadeiro não é estar apaixonado, estar em um sentimento de bem estar com o próximo e nem meramente desejar o bem do outro, e, rigorosamente falando, nem mesmo fazer o bem ao próximo significa necessariamente amor. Vejam que todas estas coisas estão centradas nos estados emocionais interiores da pessoa que "ama". O centro dessa coisa que hoje chamam de "amor" é na verdade aquele que sente ou pratica a tal ação. O próximo é apenas instrumento da auto-satisfação. Jesus Cristo, entretanto, ensina no Evangelho de São João que o maior amor que há é dar a vida por um amigo (S. Jo. 15:13), ou seja, é quando sacrificamos nossa própria vida pela do próximo.

É importante prestarmos atenção nisto que ele disse. Se existe um amor maior que todos os outros amores e que é dar a própria vida pelo próximo, então existem outros amores menores a esse maior. E são menores como? O que é que realmente identifica algo que é amor, e que se for maior ou menor pode dizer que o próprio amor é maior ou menor? O que identifica o amor, caríssimos, é o sacrifício, aquilo de que abdicamos para estarmos com a pessoa amada.

Deus é Todo-Poderoso, mas sacrificou isto para compartilhar de nossa fraqueza. Deus é Onisciente, mas sacrificou isto para compartilhar de nossas incertezas. Deus é a perfeita Vida,"athanatos" - Sem Morte, Amortal - como cantamos durante a Divina Liturgia, mas sacrificou isto para compartilhar conosco até mesmo da mais terrível de nossas experiências.

A "sabedoria" do mundo nos diz que quando um relacionamento - conjugal, familiar ou mesmo fraternal - nos faz mal, que devemos nos afastar, "partir para outra", "seguir em frente", "cuidar de nós mesmos". Diz que só devemos estar em uma relação com outra pessoa se for bom para os dois. Temos que estar só com gente "positiva", "alto astral". Amigos, esta é a lógica das alianças políticas, dos acordos comerciais, não do amor de Cristo. O amor verdadeiro que Ele não apenas nos ensinou, mas vivenciou exemplificando-o, é Amor que "Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta." (1 Coríntios 13:7). É o Amor que abdica não só do que ruim e detestável, mas até do que é bom e desejável pelo amado. Vejam que Deus não tem nada de ruim em Suas Virtudes, mas o Cordeiro de Deus abdicou de inúmeras vantagens de Sua divindade para ser um conosco. E é também abdicando do mundo que nos tornamos um com Ele. E é aí que vemos a severidade mas também a imensa misericórdia de nosso Deus. Lembram-se da passagem do óbulo da viúva? Ela segue abaixo para rememorá-los:

E, olhando ele, viu os ricos lançarem as suas ofertas na arca do tesouro;

E viu também uma pobre viúva lançar ali duas pequenas moedas;

E disse: Em verdade vos digo que lançou mais do que todos, esta pobre viúva;
Porque todos aqueles deitaram para as ofertas de Deus do que lhes sobeja; mas esta, da sua pobreza, deitou todo o sustento que tinha. 
São Lucas 21:1-4 

Deus é amor. E ele sabe que amar *é* sacrificar algo pelo amado. O amor maior é sacrificar tudo que temos. Mas se tudo que temos forem apenas duas moedas, então Deus nos recebe exatamente como teria nos aceito se toda nossa fortuna fosse composta de palácios e navios. E, por outro lado, aqueles que possuem bilhões e sacrificam milhões, na verdade não sacrificam nada. Seu ato pode ser movido por qualquer coisa: vaidade, preocupações sociais, irresponsabilidade, faz a pessoa dormir de consciência tranquila. Mas não é amor. Não há sacrifício nele. Não há cruz.

Quando quiserem saber o que é realmente que uma pessoa dá valor em sua vida, investigue o que ela sacrifica para ter o quê. Aquilo pelo qual ela abdica do resto, este é o verdadeiro amor da pessoa. Aquilo pelo qual ela abdica de absolutamente tudo na sua vida, esse é o verdadeiro Deus da pessoa. E se esse Deus, não for o próprio Deus - se for dinheiro, nacionalidade, prazeres, sociedade, justiça, alguma pessoa ou ideologia, então a pessoa pratica idolatria, mesmo que não tenha nenhuma estátua de deuses pagãos na estante.

O único pelo qual o sacrifício absoluto faz sentido é o único que é Absoluto e que nos ama de forma Absoluta: Nosso Senhor Jesus Cristo na Santíssima Trindade, com o Pai e o Espírito Santo. E façam este exame, primeiramente com vocês mesmos, investigando seus corações. O que eu sacrifico em nome de que. Não pergunte para si mesmo "o que eu sacrificaria". Pergunte "o que eu sacrifiquei para conseguir o que", "o que eu sacrifico hoje para conseguir o que". As respostas serão as coisas que você, na prática ama, mesmo que não sejam as mesmas pelas quais você tem sentimentos que a modernidade chama de "amor". 

Quantas mães e pais hoje em dia sacrificam o tempo com os filhos pela carreira? Não há dúvida que os sentimentos deles estão com os filhos. Mas o amor é identificado pelo altar do sacrifício. Na mesa estão os filhos, e o ídolo sobre eles é a carreira. E este é apenas um exemplo genérico. Vejamos o quê e quem colocamos no altar do sacrifício e a imagem do quê ou quem está sobre ele. E, irmãos e irmãs, existirá cena mais terrível do que descobrirmos em nosso coração que na mesa do sacrifício colocamos o próprio Cristo, sacrificado ao ídolo de nosso conforto, de nossa vontade de nos adequarmos à sociedade, ou aos nossos vícios? E se O descobrirmos ali, invertamos rapidamente a situação, sacrificando todas aquelas coisas e colocando-O no alto como Verdadeiro Deus, implorando Seu perdão que Ele certamente e com doçura concederá.

Percebem como a contradição entre o que amamos de fato e o que imaginamos que amamos pode levar a frustrações, neuroses e finalmente à própria destruição da alma? Tudo isto se passa porque esquecemos o ensinamento da Santa Cruz, do Santo Sacrifício, que a Vida Plena da Ressurreição só ocorre através da Cruz e do Sepultamento. Amar não é um sentimento, não é uma fantasia. Amar é unir-se, estar presente e para estarmos aqui, temos que abdicar de estar em absolutamente todos os outros lugares. E abdicando de todos os outros lugares que estar aqui se torna algo vivo e real. A cruz vivifica e santifica. Por isso cantamos à Santa e Vivificante Cruz. Que a paz de Deus esteja com todos nós.

"Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á." (Mateus 16 : 25)